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  • Foto do escritorDIMAS BARBOSA ARAUJO

O menino e a velha bruxa coroca.

Naquela cidade elétrica, perdida no meio do tudo, a velha bruxa coroca tinha uma penca de não filhos que usava como pequenas galinhas de ovos de ouro. Não se sabia de onde vinham, se eram roubados, se eram doados ou se eram alugados, por pais miseráveis tanto de matéria quanto de espírito.

Os integrantes daquela trupe de pequeninos faz-de-tudo lavava carros nos faróis, pediam dinheiro e davam tudo para a velha bruxa coroca. Para não morrer de fome, pediam comida que era racionada, adivinhem por quem.

Com aquele menino tão pequeno não seria diferente, por que seria? Como precisava aprender desde cedo as normas da casa, e para não esquecer de quem é que mandava, surrava-o muitas vezes por dia, pelo simples motivo de que era ela quem mandava.

Seu destino estava traçado a fogo: cresceria um pouco, lavaria vidros de carros nos faróis das esquinas mais perdidas da cidade perdida; cresceria mais, passaria a ser assaltante; ficaria adulto, venderia drogas e acabaria numa vala qualquer morto pela polícia, não sem antes levar consigo alguns policiais, pais de família que cumpriam o seu dever.

Mas a velha bruxa coroca não ligava. Quando morria um, ela já havia preparado vários. Tudo se passava como num moto contínuo perverso, a vida, dela, prosseguia. Simples assim.

Só que o destino do menino pequenininho que em meio a dores, tapas e choros ainda achava espaço para sorrir, não estava escrito a fogo, mas sim pelo brilho das estrelas.

Um dia a velha bruxa coroca amanheceu nos cascos. Antes de dar bom dia (modo de dizer, é claro), só para relaxar um pouco, encheu de pancadas o menino pequenino triste e sorridente. Talvez fosse isso, ele estava sorrindo e isso era inadmissível. Ou talvez porque fosse apenas divertido.

Bateu e bateu; machucou e machucou. Satisfeita como se tivesse tido um múltiplo orgasmo, enviou o garotinho para a escola. Sim, ele ia à escola porque ali, ela imaginava, existiam futuros clientes potenciais para os produtos que comercializava para completar o orçamento; sabe como é, planejamento mercadológico feito a longo prazo.

Foi aí que a mágica aconteceu. Ao adentrar pelo portão, o tempo parou. Tudo à sua volta congelou, ninguém viu o que aconteceu. E o menino pequenino, machucado, humilhado e, entre uma lágrima e um soluço, abriu seu sorriso tão fácil quanto cheio de pureza, ao ver duas luzes, muito brilhante que ele não sabia de onde vinha, mas sabia que eram boas.

Nosso pequeno herói foi arrebatado e levado para uma outra dimensão, diametralmente oposta à da cidade perdida no tudo; lá havia ar, luz, carinho, doces, cavalos, brinquedos, afeto. Ele pode reconhecer levemente naquelas duas luzes tão brilhantes e tão suaves, a família que mesmo sem saber, já tivera um dia.

E foi feliz. Feliz Para sempre.

Ah, a velha bruxa coroca? Fugiu e sumiu, ninguém mais soube nem viu. Mas na verdade, ao chegar ao seu destino encontrou-se com o homem com corpo de fogo, de olhos relampejantes que no meio daquele calor insuportável, virou-se para ela e com um sorriso sarcástico, simplesmente disse: seja bem-vinda!

E ela ficou ali. Para sempre.

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