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  • Foto do escritorDIMAS BARBOSA ARAUJO

O Casamento do Bino


 

Finalmente chegou o grande dia. O Bino vai se casar. Era o seu sonho. Quantos anos fazendo planos...Antes desse dia, todos os dias, os amigos e os ‘amigos’, estes últimos caçoando, perguntavam invariavelmente:

- E aí, Bino, e a noiva?

-Tem uma moça lá pros lados da Capoeira, é minha noiva.

- E é bonita?

- Não, sei, ainda não conheço. Mas diz que é.

No outro dia, mesma pergunta:

- E aí, Bino, e a noiva? - Fiquei noivo duma morena da Planura.

- E essa, é bonita?

- É, munto bonita, bonita mesmo!

- Nossa, que bom! É loira ou morena?

- Não sei não, nuca vi.

- E como é que você sabe que é bonita?

- Diz que é, uai - respondia como sempre.

- Mais e aqui? Cadê aquela noiva daqui do Frutal?

- Não é do Frutal, não; é do Prata.

E assim ia, dia após dia, ano após ano. Mas, agora chegou o grande dia, o Bino vai se casar. De onde era a noiva ninguém sabia, parece que era de Tuiutaba; ou talvez do Barreto do outro lado do Rio Grande; mas pouco ou nada importava.

De terno branco e chapéu de aba larga a esconder a calva cor de cobre, colorida pelo sol, com aquele meio sorriso nos lábios, está orgulhoso e feliz.

Tudo está pronto, nos mínimos detalhes, como planejado. Levou toda uma vida construindo tudo na cabeça

A noiva vai passar pela avenida formada pelas frondosas mangueiras da chácara do Neném Barbosa. As árvores já estarão enfeitadas, nos troncos e nos galhos, com laços de fita coloridos; os vagalumes estão a postos e prontos para iluminar a noite da festança que não tem hora para acabar.

O chão já está devida e impecavelmente barrido com a bassora de piaçava novinha, presente da Loja do Melinho, escolhido pessoalmente pela dona Sebastiana; ela e o marido são os padrinhos do noivo. Registre-se que quando se fala dona Sebastiana ninguém sabe quem é, mas quando explicam que se trata da dona Nenê do Melinho, os sorrisos de todos se iluminam.

Os padrinhos, também tinham dado presentes mais caros e bonitos aos noivos porque consideravam aquela ferramenta varredora muito chinfrim; mas o que fizera sucesso mesmo, pelo menos para o noivo, fora a bassora, o Bino adorou.

Bom votando ao casamento: os convidados começam a chegar de toda parte. De São Paulo vieram a Fia, o Altino, a Nenzinha (preocupadíssima com o penteado, seu maior pesadelo), junto com o marido Rivaldo que com seu bigodão grosso, enturmado que está, conversa animadamente com o Iú, com seu bigode fininho e com o Alaor com bigode nenhum. O Alaor, aliás, que veio direto de Curitiba, conta curiosidades sobre a Gilette, onde trabalha.

A Zilda, que mora em Frutal mesmo, na chácara da família, junto com o marido e com os filhos pequenos , está louca da vida porque algum sobrinho encapetado, despejou uma caneca cheia de terra no pote de água fresquinha que ela mantinha na pequena mesa que ficava na varandinha do quintal perto da porta da cozinha e ao lado do jirau. Uma indignidade.

O estresse da esposa fez com que o Iú saísse da rodinha de conversa para apaziguar os ânimos. Não é à toa que o nome dele é Jesus. Jesus dos Santos, ainda por cima. Mesmo sendo acalmada pelo marido exclama baixinho, entredentes: “Ai se eu te pego; ai se eu te pego...” prometia ela, ameaçadora. Tem gente que afirma, categoricamente: a expressão pioneira da Zilda foi plagiado por um cantor que ficou famoso fazendo sucesso pelo mundo inteiro. Será?

O Lucinho, como de hábito preparado para mais uma piada, neste caso quase uma pantomima, surgiu pela porta da sala, como sempre, fingindo tropeçar nos próprios pés, arrancando as mesmas gargalhadas de sempre, das mesmas pessoas de sempre.

E não parava de chegar gente. Afinal era um dia muito especial, o Bino vai se casar. O Gerominho e a Aparecida vieram do Mato Grosso que à época não era nem do Sul e nem do Norte. A Ione, o Didi, a Nanci, a Cleusa, o Miguel também rumaram de São Paulo para Frutal.

E olha... tem gente viajou até do Céu! A Maria , repleta de saudades chegou bem antes para dar tempo de ver e abraçar a todos. Ficou surpresa ao encontrar o Boa Noite Maria, um roceiro admirador que visitava os Barbosa, sempre à noite, começando os cumprimentos com um sonoro boa noite Maria; só bem depois, se seguiam os demais boas noites, não tão sonoros assim, para os demais da família. O Pedrinho que chegou com ela, nem deu bola para o tal do Boa Noite, afinal vivia com ela seu eterno romance nas nuvens.

Já o Antônio Benedito quase perde a festa, porque o trem até Barretos fora pontual, mas um pneu da jardineira, no caminho para Frutal resolveu estourar bem no meio do caminho; mas deu tudo certo. Se tivesse passado mais um minuto sequer, a companhia teria enfrentado um belo processo patrocinado pelo jovem advogado que ficou por conta com a demora do socorro... Quem o acalmou, na verdade, foi a Telma com toda paciência: ”Calma, o Bino vai se casar”, lembrou ela. Ele se tranquilizou instantaneamente. O Reinaldo e o Didi viajam juntos. Este com su calma franciscana nem se abalava e aquele, no fundo do ônibus, ria daquela situação toda. Trocado o pneu a adrenalina baixou e todos seguiram viagem felizes.

Num canto, o ‘Dinerso, junto com a Natalina observa à distância a conversa nostálgica da rodinha formada pelo Arturzinho, o Toninho e Eliana a Wilma e a Geodésia, rindo animadamente.

Enquanto isso, o Conceição, todo empolgado, conversa com o Silvio, o Altino, o Fiíco e com o outro Gerominho da família, o da Ione, sobre seu fanaticamente amado Santos e as proezas e mirabolâncias do insuperável Rei Pelé. Mas, a animação dura pouco porque a Doraci, com seu sotaque paranaense, a título qualquer saca o Jôsé (nunca chamou o marido pelo segundo nome, Conceição como o restante da família fazia). Ele foi, sob protestos. Mas foi.

Pouco depois que o Tintim chegou com o Assilo e o Paulinho, acompanhados pela Nadime e das duas Terezinhas, a dona da casa, a Altenízia, aparece, mas para dizer que a festa começará assim que a noiva chegar.

O Neném Barbosa trouxe até o seu radião de pilha que, de tão grande, era transportado com os braços erguidos acima da cabeça; estava ansioso para animar o povo ao som das duplas dos queipira e suas modas de viola. Só esperaria acabar a cerimônia que vai ser conduzida pelo Padre Donizete vindo com seus milagres diretamente de Tambaú.

Mas, numa circunstância rara, ficou muito brabo, mas brabo mesmo, porque um neto, o mesmo moleque que botou terra no pote de água da Zilda, não resistiu ao ver o avô com os braços levantados e cutucou o subaco do dono da casa. “Quêqué isso???? Ara, menino dos inferno! Bradou, colérico, enquanto fazia malabarismos para que o aparelho gigantesco não se espatifasse no chão.

De longe, a Cleusinha sorri discretamente; dizem as más línguas que, por dentro, gargalha; jamais saberemos.

Mas, tudo foi perdoado rapidamente. O importante era o casamento do Bino.

O Ceceu e a Maria Coberta até teriam ido, mas não acharam o caminho porque estavam perdidos em outra dimensão onde nada era delírio.

Chega todo mundo, até o doutor Garibaldi e a professora dona Isolina. Menos a noiva. “Cadê a noiva, gente? “Pergunta a Maria Helena já ficando preocupada. Para relaxar o noivo, alguém distrai o Bino:

- Bino, aonde vai ser a Lua de Mel?”

- Uai, vai ser no 'Beraba, sô. Comprei até uma bicicleta, a gente vai viajar de bicicleta. Comprei um relógio também que é pra não perder a hora.

- É? E quanto custou o relógio?

- O preço da bicicleta.

-E quanto você pagou na bicicleta?! – Perguntou o interlocutor desconcertado.

- O preço do relógio, uai.

Ficou por isso mesmo. O enigma permanece até hoje.

Enquanto a noiva não chega, as coisas de comer vão sendo colocadas na grande mesa de madeira da cozinha, tudo preparado no fogão de lenha. Sobre a toalha branca, travessas e travessas de pamonha, bolinhas de queijo para as crianças várias panelas de arroz com galinha, linguiça de porco matado na hora, doce de leite, doce de abóbora, quase tudo está ali.

Quase, porque a mesa só fica completa quando seis peões bem nutridos, engalanados com seus ternos de gabardine bege, as botinas e os chapéus novos adentram o recinto carregando aquela que promete ser a grande sensação: uma bela tromba de elefante recheada com farofa de tatu, iguaria gastronômica desejada pelo Bino desde criança.

Sim, porque o Bino foi criança um dia. Como foi parar nas casas dos irmãos Barbosa – o Neném, que matava formigas e o Melinho, comerciante tão bem-sucedido que tinha até uma ponte para chamar de sua, ninguém sabe ao certo. O que se sabe é que foi ficando por ali, ajudando na lida quotidiana e sendo amado por todos, sobretudo pelas crianças. Uma penca delas seus afilhados mercê do carinho das mães que, igualmente batizara e vira crescer.

O tempo passa, passa e passa. Já impaciente, como os demais, a Julieta, mulher do Lucinho, pergunta:

- Mas e a noiva Bino, cadê ela?

- Uai, tô esperando, sô!

- Ixa, Bino, acho que ela não vem mais, vaticinou a Maria Fontes e levantou aquela que na verdade é a grande dúvida:

- É verdade que noiva sempre atrasa. Mas essa... sei não... Alguns concordaram com a cabeça.

Mas quem não concorda é o Bino: - Vem sim, vem sim... vem...ve... Bino pisca longamente. O último fechar de olhos foi mais longo, acompanhado por um suspiro de expiração profunda.

Quando abriu os olhos, pouco depois daquela piscança inesperada percebeu, surpreso, que estava deitado num lugar indefinido, um ambiente todo branco, sem mais ninguém. Uai..., “mas cadê o meu casório? . Um verdadeiro mistério, “cadê todo mundo?”. Meio desorientado como era de se esperar numa situação esquisita como essa, olhou para todos os lados, mas quando fixou o olhar no teto, este estava iluminado por velas tremeluzentes; uma porção de anjinhos barrocos, desses de procissão. rodopiava batendo felizes suas asas. Um deles até tocava um instrumento que ele reconheceu, era uma harpia que aparecia na gravura que um dia lhe foi mostrada pela Zulmira.

Bino olhou então para um lado e viu um homem barbudo e cabeludo que ele sabia conhecer, achava que de retrato, achava que era um que tinha na sala da Lomica. Ou fora da Igreja? Agora, não se lembrava quem era e não entendia por que lhe sorria com tanta ternura dando-lhe uma sensação de paz como jamais tinha sentido.

O homem o ajudou a se levantar da cama. “Coitado”, pensou, o sujeito tinha uns machucados nas palmas das duas mãos e algumas cicatrizes enfileiradas na altura da testa. Conjecturou: “será que isso não dói? “Não, Bino, não dói mais. Aqui nada é dor”, respondeu ele, como se lesse sua mente. Bino ficou muito espantado. Até porque não se lembrava de ter dito seu nome. Mal sabia ele que o espanto maior ainda não dera as caras. Ainda.

De repente algo o fez olhar para o outro lado. E foi aí que a viu: lá estava ela, com um vestido de brancura jamais vista em todo o triângulo mineiro. A noiva tão esperada e querida chegara. Ela tirou o véu e ele pode ver uma luz brilhante, intensa que até atrapalhava ver direito o rosto; ela então o pegou pela mão, seu toque parecia a mais fina seda; ele se levantou como que flutuando, o teto se abriu e todos, a noiva, o Bino e os anjinhos voaram para o céu de lua cheia; enquanto isso o homem barbudo olhava debaixo acenando-lhes com as mãos feridas, parecia com aquela bênção que o padre dava ao final da missa de domingo.

Ao fundo uma moda de viola suave prenunciando festa. O Bino finalmente se casou. Estava em feliz e em paz. Tivera uma vida boa.



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